domingo, janeiro 30, 2011

sufoco.
pode haver um caminho
uma esperança futura,
intermináveis estrada
para um além estelar;
mas nada muda
nada nunca vai mudar.
sufoco.
pode haver uma maneira
de acreditarmos todos
outra vez, noutra coisa melhor
num profeta que
viva por nós.
mas nada muda.
nada vai alguma vez
mudar, a não ser
que eu me recuse a ser igual
a ti, meu irmão.
sufoco.
preciso de saber
que o que faço tem um significado
qualquer, ao menos para mim
mesmo que sou o único
que entende realmente o que
está em causa.
não respiro.
sufoco.
nesta casa velha,
neste tempo frio,
sem companhia,
com o vento assobiar
na minha imaginação.
sufoco
sufoco
sufoco.
para quê insistir
em escrever?
eu que sei perfeitamente
o que tem de ser feito
mas que evito o momento
como quem evita dizer
a verdade à viúva que já o é,
tentanto no intervalo
prevenir algo que já aconteceu.
sufoco, sem metáfora.
não respiro.

sempre ignorado.
sempre sozinho.
assim deitado
a uma existência fruste.
e eu poderia ser feliz,
num outro tempo gramatical.
mas nada disso acontece.
o que acontece é que sufoco,
o que acontece é que não consigo respirar.

sexta-feira, janeiro 28, 2011

um dia haverá tempo para desistir
um dia distante, talvez, mas ainda a tempo
de eu sentir que estou sinceramente
a tempo de desistir

um dia
tudo vai fazer sentido
e eu vou deixar de estar cansado
um dia, talvez, mas que seja um dia
pleno, um dia como nenhum outro
manhã dourada cega
dolorosa como o punhal no peito
que rasga o pulmão a direito
mas ignora todos os tecidos

ah... a grande cobardia de estarmos vivos!
a enorme cobardia de não ousarmos
o passo final para o esquecimento de
nós próprios, a companhia sincera e distante
do negro universal - nossa mãe e nosso pai

não vês lá longe em cima
as vidas destroçadas
pontos de luz separados uns dos outros
e entre eles toda a liberdade sem fingimento
de quem já não quer nada, de tudo o que não é
e tu com vontade animal de
te lançares para perto dessa verdade
mas sem o orgulho puro dentro de ti

apetece-me tanto desistir
deixar para trás toda a ambição,
mas toda a minha vida foi um fracasso de tudo,
sobretudo o fracasso em deixar de ser.
mãe que não conheço: o teu filho falhou em tudo
e não tens orgulho sequer no terrível
momento da decisão final, da decisão mais simples
ele que não quer deixar de ser
pela necessidade mórbida de ter de ser alguém
ele falhou e continua a falhar
mecanismo partido
que bate contra a maré que nunca esvazia
que continuamente bate contra mim
que sem parar não me deixa dormir
incansável, repetida, impiedosa
e tudo a acontecer sempre assim
nos dias repetidos da minha vida cinzenta
sem pavores e sem esperança nenhuma
sem nada de nada que mereça olhos abertos, luzes,
nada de nada assim
nunca mais, preso a sensações passageiras.

falhei em tudo, mãe, que nunca me quer ouvir.
falhei em tudo, mesmo na necessidade
macabra de deixar de falar no meu fracasso...

quinta-feira, janeiro 20, 2011


quarta-feira, janeiro 19, 2011

..

como seria bom
ter um emprego
como aquele homem
que limpa o telhado
enquanto eu o vejo
da minha janela,
mas não ter o emprego
dele, só a sensação de
o ter ao vê-lo ao longe
e não ter o emprego
por detrás da janela
nem o dele.

domingo, janeiro 16, 2011


sábado, janeiro 15, 2011

.

livra-te de tudo ao
entrares no ganges
porque o ganges é
a tua vida sem tudo
o que a tua vida tem
de deixar de ser

domingo, janeiro 09, 2011

Empregada de Limpeza

empregada que limpas
o pó na escuridão soturna do
fim do dia do trabalho dos outros
- ou será manhã ainda por clarear? -
o que resta afinal de tudo
o que acontece nos escritórios
senão fios desligados
fios desconexos de uma realidade ilusória

passa um pano rápido por sobre
todo o desgosto de não sabermos quem somos
todo o desgosto de não sabermos o que
se passa pelos lugares paralelos ao coração;
um pano rápido, de olhos fechados
que queimam ao ardor dos químicos
puxados a spray pela força
reumática dos teus dedos gastos

sombras mexem-se
no ambiente delgado por entre as mesas
sem dizerem nada umas às outras
e de dia é tão diferente
ou talvez de dia seja também assim,
colegas da mesma função absurda,
mas é ainda mais absurda a função
de limpar o posto de trabalho absurdo dos outros

empregada de limpeza
que passas o pulso de borracha pela fronte cansada,
com os teus olhos negros sem expressão
olhando fixos um papel que diz uma frase incompreensível
pelo menos para ti, que não foste parte dela
- porque não és tu parte de tudo aquilo também? -

mata-te lentamente o teu trabalho forçado
de processos de rotina podre
de baldes coloridos de plástico e aventais sujos
de carros empurrados e cabelo atado em nós
de sapatos baratos e conversas de circunstância

não era melhor nada disto ser tão real?
não era melhor se fossemos cegos à insistência
de tudo isto aos nossos olhos,
à nossa consciência pesada de todo um horizonte

ah... limpa com força toda a lembrança do uso das coisas
tu que trazes o amanhã sempre igual,
porque tiras de tudo a memória dos dias, o pó.
porque és assim concreta, eficaz,
mesmo quando não limpas bem,
mesmo quando és desleixada, incompetente?
sim,
deita-te a uma vida furtuita de sonhos momentâneos,
imagina o que eles fazem nas suas cadeiras de pele,
nos seus escritórios de vidro fechados de tudo,
falando uns com os outros numa linguagem que nunca
vais perceber, porque não queres perceber,
mas no sonho percebe-se tudo por uma névoa confusa
onde tudo é o mesmo enquanto coisa diluída nenhuma.
fará isto algum sentido absurdo?
e a ti quem te chama a atenção, tu pessoa-coisa-nenhuma,
sem chefe, sem hierarquia, mais que não seja uma noção
vaga de quem te assina um cheque esparso, coisa pouca,
mas mesmo assim muito no absurdo inimaginável de ser paga.
tens a noção física da tua obrigação,
no quotidiano em que te levantas demasiado cedo,
demasiado cedo para ser natural.
e mesmo assim continuas até que fiques velha,
sem ambição, sem ambição e por isso magnífica.
sem ambição e por isso melhor do que todos os outros,
todos os do escritório, que se enredam na sua própria imaginação,
pensando que podem evoluir para outra coisa qualquer,
quando não são nada já à partida de si próprios.

levanta, passa, enxagua, treme, sacode, alinha e deixa cair lentamente.
nos teus movimentos lineares caóticos haverá todo um universo verdadeiro.
o universo verdadeiro.
o único universo que faz sentido,
por não fazer sentido nenhum.

domingo, janeiro 02, 2011

Cão de Guarda

cão de guarda
de guarda a não sabe bem o quê
ladrando aleatório às sombras
que passam
a todas as sombras
mesmo a dele próprio.

cão de guarda
quem guarda o quê?
alto o muro ou tu esfarrapado
por dentro, sem sentido na vida.
para onde vais, no vai-vem
tortuoso da tua corrente fraca

um dia vou puxar com tanta força
- pensa ele no intervalo dos dentes -
e partir para dentro da rua e por entre
os passeios sujos dos homens
não sei bem para onde
mas sei que para outro sitío qualquer,
onde não me pese enfim a obrigação
absurda de guardar alguma coisa

cão de guarda
que idealista da tua parte,
ou não sabes que não podemos rasgar
comer com os dentes a corrente que nos
prende à obrigação de sermos quem somos?
que não podemos sair para dentro
da rua e ir para um outro lugar qualquer,
outro que não seja este.

a corrente pesa-te,
dobrada em sangue ardente em volta
da tua parta direita,
e faz-te lamentar não saberes chorar.
ò cão de guarda que somos nós todos,
símbolo alado que cheira mal quando chove,
que sente vergonha urinando contra a sua casa
mas não sabe o que é a vergonha.
vais em frente e para trás,
enquanto ninguém passa,
enquanto não podes ser quem és.
quem és tu no intervalo de ladrares,
ò cão de guarda em si mesmo?

dás-me pena assim deitado a fingir que dormes,
ausente por segundos, deprimido, afundado na
inevitabilidade cega de teres um dever adulto;
tu que não chegarás aos 15 anos de vida.
porque não foges,
comes a perna,
rois a corrente 200 dias seguidos
até que ela solte os aros e seja ela própria
só uma coisa que quer ser outra coisa qualquer?

cão de guarda foge,
mais que não seja nos teus sonhos curtos,
enquanto não passa ninguém e te imaginas
a correr num campo, saltando aos raios de sol,
ou acariciado por uma mão que goste de ti.
agora aqui sozinho, ao frio e preso,
para quê? que vida é esta assim, resumida, insincera?
foge. foge nem que seja de ti mesmo,
para um dia de amanhã em que não ladras
a ninguém, em que deixas entrar todos os ladrões,
em que desistes solenemente de ser quem és.
assume em ti a derrota impossível de todos os homens,
vinga-nos animal sedento,
recupera a nossa esperança com pulgas,
sê em ti todo o nosso futuro de focinho ferido.

cão de guarda
passei por ti e não acredito em nada disto.
passei por ti e ladraste-me como quem ladra
a uma sombra que passa por um cão de guarda.
e não há nesta afirmação um pouco sequer
de felicidade

~~ todo um mundo em lágrimas
desejava que não sofresses assim
´´desejava não sofrer assim


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