domingo, janeiro 02, 2011

Cão de Guarda

cão de guarda
de guarda a não sabe bem o quê
ladrando aleatório às sombras
que passam
a todas as sombras
mesmo a dele próprio.

cão de guarda
quem guarda o quê?
alto o muro ou tu esfarrapado
por dentro, sem sentido na vida.
para onde vais, no vai-vem
tortuoso da tua corrente fraca

um dia vou puxar com tanta força
- pensa ele no intervalo dos dentes -
e partir para dentro da rua e por entre
os passeios sujos dos homens
não sei bem para onde
mas sei que para outro sitío qualquer,
onde não me pese enfim a obrigação
absurda de guardar alguma coisa

cão de guarda
que idealista da tua parte,
ou não sabes que não podemos rasgar
comer com os dentes a corrente que nos
prende à obrigação de sermos quem somos?
que não podemos sair para dentro
da rua e ir para um outro lugar qualquer,
outro que não seja este.

a corrente pesa-te,
dobrada em sangue ardente em volta
da tua parta direita,
e faz-te lamentar não saberes chorar.
ò cão de guarda que somos nós todos,
símbolo alado que cheira mal quando chove,
que sente vergonha urinando contra a sua casa
mas não sabe o que é a vergonha.
vais em frente e para trás,
enquanto ninguém passa,
enquanto não podes ser quem és.
quem és tu no intervalo de ladrares,
ò cão de guarda em si mesmo?

dás-me pena assim deitado a fingir que dormes,
ausente por segundos, deprimido, afundado na
inevitabilidade cega de teres um dever adulto;
tu que não chegarás aos 15 anos de vida.
porque não foges,
comes a perna,
rois a corrente 200 dias seguidos
até que ela solte os aros e seja ela própria
só uma coisa que quer ser outra coisa qualquer?

cão de guarda foge,
mais que não seja nos teus sonhos curtos,
enquanto não passa ninguém e te imaginas
a correr num campo, saltando aos raios de sol,
ou acariciado por uma mão que goste de ti.
agora aqui sozinho, ao frio e preso,
para quê? que vida é esta assim, resumida, insincera?
foge. foge nem que seja de ti mesmo,
para um dia de amanhã em que não ladras
a ninguém, em que deixas entrar todos os ladrões,
em que desistes solenemente de ser quem és.
assume em ti a derrota impossível de todos os homens,
vinga-nos animal sedento,
recupera a nossa esperança com pulgas,
sê em ti todo o nosso futuro de focinho ferido.

cão de guarda
passei por ti e não acredito em nada disto.
passei por ti e ladraste-me como quem ladra
a uma sombra que passa por um cão de guarda.
e não há nesta afirmação um pouco sequer
de felicidade

~~ todo um mundo em lágrimas
desejava que não sofresses assim
´´desejava não sofrer assim


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