sexta-feira, setembro 14, 2007

Há tanto tempo



Há tanto tempo que não me debruço da janela para ver o meu jardim.

Os lírios estão em flor
lembram aquela tarde fria em que entrei pela casa
subindo as escadas para o quarto da morta.

Há folhas mortas de Outono na sobreira da porta
e por entre as copas das árvores chinesas
o musgo esconde buracos profundos.

Ouve-se ainda o barulho surdo do regato distante.

Pareço adivinhar nas palmas das mãos,
toda a preocupação do mundo,
porque desaparecem os vestigios de toda a bondade,
de qualquer traço de emoção contida.
Porque desaparece o jardim do foco solene do raio de sol?
Diz-me.
Um animal sôfrego respira ofegante sem que se veja o corpo em pêlo castanho

-- mas eu sei que ele está lá -- com medo --

com medo

medo de mim e de quem eu sou e em quem eu me tornei.

Há tanto tempo que não me debruçava da janela
para ver o meu jardim morto de cores vivas

Os meus olhos doem abertos ao vento das cataratas,
ao rasgar violeta do cheiro anil da polinização selvagem

«« voam as abelhas suicidas entre ramos partidos

.:::: deixa-me sozinho assim sem esperança :::

O poço ameaça deixar-nos doce Isís, filha das tempestades.
O teu pai trouxe-nos a este paraíso de ferro vermelho só para o sabor amargo na boca
E agora nada resta desse futuro anunciado.

Mas olha,

Por entre as ervas rasteja uma serpente transparente .. e mais longe, um corço roça as feridas numa rocha cinzento-prata que reluz ao sol que cai no horizonte.

Há tanto tempo...

Há tanto tempo que não olhava assim...

O meu jardim vazio sem nada.

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