terça-feira, agosto 16, 2011
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a necessidade absurda de coisa qualquer
a necessidade absurda de possuir
a necessidade absurda
de haver a necessidade absurda de alguma coisa
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sabes
cada vez mais me convenço que estamos todos mortos
todos mortos, ausentes, trôpegos
como se nada se sentisse realmente
como se esta cidade, esta linha de prédios
fosse uma ilusão fingida e terna
o desenho feito por alguém que nos ignora
como nós ignoramos as formigas aos nossos pés
mas, e isso é que é o pior,
esse alguém é uma ilusão também,
uma grande ilusão nossa,
dentro de nós próprios,
contra nós próprios.
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ah... trocava tudo por uma estadia longa
eterna, na casa de saúde que foi demolida
longe daqui... porque não sabiam eles
que eu estava predestinado a viver ali
a sangrar da boca, a respirar com dificuldade
a arrastar as minhas calças demasiado compridas
pelos relvados mal tratados da grande propriedade
aquela é a minha casa e mais nenhuma
mas mesmo para ali o regresso é impossível
porque não se pode regressar a lado nenhum
e isso mantém-me perdido para sempre,
sem destino, sem razão, sem quem saiba tudo isto.
e valeria de alguma coisa se soubessem?
não. a minha loucura é solitária
o desejo quotidiano de estar noutro lugar
mas nenhum lugar seria aquele lugar
estou inquieto
perturbado
impassível
nada me abate
nada me entusiasma
as grandes catástrofes
motins e revoltas
para quê?
queres, desejas, descobres.
para quê?
não é a morte que anula tudo,
mas a vida monótona e sempre igual.
é a vida que tira significado à vida.
trazem-te por uma coleira, passeiam-te à mostra de todos,
mas ninguém segura a coleira e quem te vê, não existe.
- -
é tudo, um pano crú descido por sobre um palco baixo
falta de pontuação e erro de gramática por teres nascido
mas depois não há nada a fazer, nenhuma correcção grande o suficiente.
desejas voltar, desejas um destino diferente,
mas o destino maior era nunca ter estado aqui
era não me lembrar de nada
era estar louco. inteiramente louco.
rasgo dentro de mim mil tratados de paz
na iniquidade sanguinária de uma guerra sem fim
que morram todos e depois que acordem para morrer outra vez
é este o destino dos fracos, o destino dos homens
aqueles que seguem o sol com os olhos
aqueles que se escondem da lua à noite
todos eles imaginam-se diferentes
todos eles procuravam o domínio sobre si mesmos
mas a realidade é pavorosamente menor
pavorosamente redutora
nada. vazio. ausência. um sonho de anestesia,
para o qual acordas sem lembrança de teres sido alguém.
sim. há um maquinação qualquer, um mecanismo enferrujado,
que vira, roda, engrena, circunscreve, determina,
mas sem objectivos, sem objectivos, sem objectivos.
todo um sistema cósmico deitado ao desarranjo,
perdido de dores menstruais.
- - -
dói-te seres assim?
nas noites em que ficas de olhos abertos.
perguntando-te do porquê em te levantares amanhã.
não estou deprimido, só demasiado acordado para adormecer.
demasiado acordado para o torpor das rotinas humanas.
é uma dor dentro dos ossos do ser. uma dor reumática existencialista.
vibra e range, como um cancro a expandir-se pelas células,
uma a uma e eu sinto-o a tornar-se maior,
mais forte, dominador de toda a minha carne e todo o meu espírito.
mas de que vale querer combatê-lo,
quando o destino final é o mesmo.
poupo-me o cansaço. poupo-me o entusiasmo de poder ganhar.
deito-me a perder a esperança.
limita-te a viver sem esperares nada.
quando a desgraça chegar,
terás um colo quente com que a aconchegar,
passas-lhe os dedos pelo cabelo emaranhado,
sentes-lhe a fronte quente ao som de um disco de jazz antigo.
depois ela consome-te lentamente,
lentamente, como só a desgraça sabe consumir.
e tudo vai fazer um sentido qualquer...
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