domingo, março 28, 2010
o cão que passou por mim
tinha alma lá dentro era gente
mais gente do que eu ignorando
as minhas maneiras condescendentes
ele que saltava do chão
para o topo da borda do passeio
com maneiras de menino divertido
mas ainda assim com os olhos
tristes de quem não sabe para onde ir
ou sabe ao menos que não há
sítio feliz para onde ir
ele olhou para mim e ignorou-me
mas ia ali uma alma maior do que a minha
caminhando as voltas salteadas do passeio
uma alma grande, um ser maior
num corpo frágil de um animal que
tem frio pela noite,
que não quer mais do que tem
e eu não sou nada
e eu não sou melhor do que ele
queria adivinhar uma presença subtil
sem que existisse nada ali para sentir
como se todas as sensações fossem
uma dormência súbita de quem se afoga
de quem caminha para dentro da floresta
só para estar perdido dentro de si
queria isto tudo, mas não querendo
na ausência plena da minha falsidade remediada
na necessidade mental de escrever poesia
de estar altivo baixo na sepultura do quotidiano