sexta-feira, junho 17, 2005

Diário

...pousou lentamente o seu Diário...

O meu Diário tem páginas marcadas a sangue.
Como o aquele livro emprestado e devolvido com medo.
Mas cada vez menos o abro,
cada vez menos sou sincero com ele.


O meu Diário morre comigo, lento, cadenciado,
animal ferido numa pata,

a gangrena não é verdadeiramente ainda uma ameaça,
mas vai sê-lo um dia, um dia tarde demais.


Um velho de meia idade olha de lado para uma miúda,
toca-lhe no ombro, esconde a libido detrás da gravata,
sacia o desejo agitando as mãos, não é ele.

A vida é uma doença enorme, que te invade o corpo,
que desce e sobe e ocupa, que sufoca e se faz tudo.
Por isso tens de ser carinhoso para os animais.

(se fores bom para os animais, a vida não te...)

Algures isto é uma verdade.
Algures isto torna-se uma verdade.
Algures há vida também,
........há corpos também,
...........há quem olhe e vislumbre,
..............não interessa que não tenha braços.

a vida assombra-te e quando morres dela a cura deixa-te vazio.

O meu Diário tem poucas páginas.
Nada de importante alguma vez aconteceu.
Um dia perdi tudo o que tinha escrito e pensei que fosse algo de importante,
para escrever no meu Diário.

-não era importante-

não há força para o lamento.
energia para levantar o olhar.
no meio do mar, a grande capital está
dormente no azul-verde do fundo das caraíbas
os seus habitantes afogados vezes sem fim
nas memórias do que poderia ter sido
e eu sou todas as suas respirações ofegantes
quando me preocupo
todas as suas vozes a apagarem-se
quando me perseguem.

queria ter coragem para desistir,
mas sou demasiado cínico para não ver
que depois do nada,
depois do tudo,
a solução é final,
a solução é aproximada,

maldição

a solução é insuficiente.

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