quarta-feira, março 09, 2005

Viagem ao interior daquela mansão abandonada



Todos os dias eu entro no escuro, sinto as teias de aranha na cara e procuro com a mesma mão o interruptor que sei não tem corrente, para tropeçar no mesmo tapete Persa corroído pelo tempo, no mesmo candeeiro art deco que dança sobre si mesmo recusando-se a cair.
Sinto um horror indescritivel por não haver vida ali.
Prefiro ir de noite, quando está frio. De noite, a sensação é plena, asfixiante, mal consigo dar um passo sem pensar no medo do seguinte.
Antes de subir, passo pela grande sala de jantar. Olho cada lugar ainda posto, com a cerâmica partida e o cristal fechado opaco no cinzento do pó, os armários invisiveis contra a parede e ao fundo uma porta que não se consegue abrir.
Sinto o silêncio e a minha própria respiração. Olho pela janela para o jardim sacudido pelo vento. O lago artificial dominado pela natureza, abandonado á sorte dos selvagens.
Subo então a grande escadaria. A cada passo o meu coração acelera. Sei o que vou encontrar, mas cada vez é a primeira, é sempre assim.
Segundo quarto.
Descendo o corredor.
A porta resiste e abre-se devagar, como se rasgasse. Eu tremo de antecipação e medo, com os olhos a doer.
Na cama está o cadáver dela, imóvel, solene, vestido de branco com um lirio nas mãos juntas.
A chorar de terror eu aproximo-me.
Como se me levassem pelo braço. Eu sinto o braço que aperta o meu, que é mais poderoso e me faz andar contra a minha vontade. Aperta-me o coração, aperta-me a respiração.
Sentindo as lágrimas pesadas eu beijo-lhe os lábios frios levemente.
Tenho vontade de gritar em pânico, enquanto olho para a árvore alta que bate com os ramos rebeldes contra a janela do quarto.
Há um cheiro intenso a morte e eu quero sair.
Mas tenho de passar aqui a noite.
Caminho ao longo da grande cama de dossel e deito-me ao lado dela, com cuidado, sem conseguir pensar.
Fecho os olhos e fico imóvel.
Até que nasça a manhã seguinte e tudo tenha sido o mesmo pesadelo.


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