segunda-feira, fevereiro 21, 2005
InnerEye
O jovem pegou num livro com uma capa branca, sem nada escrito. Nada. Ziltch. Niente. Começou a folhear como quem fuma desesperado à chuva, com a lua a subir. A mesma lua vista do outro lado do mundo, por uma rapariga que colhe peras com os braços feridos pelos ramos finos. A história não fala ao coração. Há um estrangeiro que persegue uma mulher que conheceu no táxi, partilhado desde o aeroporto. Falou-lhe de se conhecerem e havia pêlos de gato no assento de vinil. Não é necessário dizer que o trajecto foi desconfortável. Lembrou-me algo passageiro, como um rebocador em Nova Iorque. Não lhe interessava remotamente que as cores do prisma fixado no topo de secretária se acendessem quando entrava em casa e acendia as luzes. «Tudo é controlado desde longe», pensou. Onde estava não era onde queria estar, a maior parte das vezes. A loucura é quando te levas demasiado a sério. O jovem perdeu o livro durante três dias. Não o conseguia encontrar por muito que procurasse. Então alguém lhe tocou à porta. Tinha o casaco sujo da chuva e os sapatos limpos. Pêlos de gato na lapela e um chapéu de feltro cinzento prateado. Não, ele não conhecia ninguém por esse nome impronunciável. Nem lhe interessava. No entanto tudo fazia sentido naquele universo e era altura de avançar mais um degrau. Talvez tivessem lugar para ele noutro sitio. Fechou a porta. O livro estava na mesina ao lado do candeeiro de pé alto. Pegou no livro de capa branca, mas não conseguia ler. Estava demasiado velho agora, e os olhos vermelhos não desenhavam as letras, apenas fantasmas. As sombras da noite insinuavam-se pela janela fechada. Era tempo. Pegou no livro. Começou a ler. Pensou como as coisas começavam e acabavam subitamente. Inertes e sem energia. E havia sempre alguma coisa por detrás. Mesmo nesta colónia penal no espaço. Pegou no livro. Começou a ler.
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