terça-feira, novembro 16, 2004

Hunting Bears



«Porque vens por aqui, fraco, cadenciado?»
«É a minha floresta. Eu pertenço aqui».
«Não, tu não pertences a lado nenhum».

Diálogo sem palavras, feito de olhares fixos.
Feito de passos por dar.

«Eu pertenço aqui».

Eu pertenço a estes lanços sem caminho.

- Crómio -

A estas pedras escondidas,
a este solo castanho escuro.

- Húmus -

Rebentos de sangue nascem em mim
para deltas infinitos depois das montanhas
banharem os pés a princesas surdas
que dançam o movimento das serpentes.

«Eu pertenço aqui».

Ventos sopram do meu desespero
para alimentar moinhos de tentativa
que alternam os suspiros de quem
espera eternamente o regresso da guerra.

Eu sou o animal escondido,
o animal encurralado.
Sou a presa e o predador,
no momento necessário da morte.
Sou o arrependimento e a boca suja de ossos.

- Os dedos grossos do contabilista -

Horror.
Há algo de especial em mim, ao menos não o ser.
Não ser o eleito e carregar na vida essa cruz,
transparente,
a uma Las Vegas sem saída,
nos cruzamentos espuma das ondas.

«Vem. Entra».
«Eu não preciso da tua autorização. Mas tu da minha».

Quantos corços mataste com os teus dentes,
nas noites perdidas na perseguição do seu cheiro que desaparecia?
Quantas noites estiveste acordado,
no sonho de espinhos das recordações?
Quantas pessoas inquiriste no olhar pelo caminho de casa?
Quantos dias perdeste,
sabendo que os perdias
e nisso fizeste a sua celebração satânica,
porque nada valia a pena,
nem mesmo o absurdo de perder?

«Sai. Sai da minha floresta verde, floresta azul...»

Não quero aqui quem não seja meu irmão no canto soturno,
nas alegrias mundanas de ver o sol.
Não quero aqui,
não quero,
aqueles poucos feitos muitos,
pés sem hesitação,
olhos sem vazio,
gestos sem brevidade inesperada.

Em cima dos ramos soergue-se a matinal vitalidade de morrer lentamente num suspiro.
Sofro em mim calamidades nas gotas do ribeiro selvagem,
bebe o castanho das copas o anil das flores a nascer.

«Sai da minha floresta, humanidade».

«Eu sou a terra e o silêncio».

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