quinta-feira, fevereiro 26, 2004

Talvez morrendo comeces

«Talvez, morrendo comeces!».
E continuou dizendo:
«Fazes, talvez, falta a alguém.
Mas se calhar não fazes falta a ninguém! E já ninguém se lembra de ti agora que morreste.
Passou já o medo da tua morte.
Passou já o horror do teu caixão em procissão.
Os fatos negros estão já pendurados num qualquer armário à espera de outra desgraça qualquer para serem usados novamente.
E tu vives numa qualquer cova, esquecido, mesmo se com algumas flores deixadas displicentemente em cima da terra solta.
Tu! Que talvez tenhas ouvido a pá a enterrar-se na terra para tapar a cova profunda em que já estavas.
Tu! Que talvez tenhas ouvido as primeiras porções de terra a caírem impiedosamente na madeira em que te tinham fechado.
Tu! Que talvez tenhas sentido a cal ainda a queimar a pele.
Agora tudo isso é passado.
Enterraram contigo a tua memória, e és lembrado apenas como um ar frio que incomoda ocasionalmente quando esquecemos uma janela que bate com insistência suicida contra si mesma.
Estás mais morto que julgas. E se vives é para que saibas o que perdeste!».

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