sexta-feira, fevereiro 06, 2004
Onde estás agora praia antiga?
Hoje passei à beira rio de noite e lembrei-me das vezes que passava, as centenas de vezes, que passei de comboio ao lado, mesmo ao lado, de uma praia pequena feita de seixos negros, mesmo quando o comboio saia do túnel, depois de Caxias.
Como costumo ir de cabeça no ar, não raras vezes olhava, sobretudo no inverno, para a pequena praia e imaginava alguém lá, em pé, a olhar para o horizonte, num dia mais frio, num dia de nevoeiro e frio intenso. Imaginava e... apareceu-me uma frase que me dá arrepios quando a repito, uma daquelas frases que significa tudo para mim e nada para todos os outros. A frase da praia de seixos pretos.
"Ruge um grande frio cortante"
Isto resume tão bem tantas coisas. É um livro sobre a minha alma, sem estar escrito e sem a necessidade, o trabalho e a vulgaridade de o escrever. A frase chega para tudo isso e muito mais, por ser menor, por ser maior em precisão e sinceridade.
Quando a digo regrido. Volto áquele comboio, há 10 anos atrás, que sai do túnel e faz a curva ao pé do rio, mesmo ao pé do rio, num dia em que chove e está muito frio lá fora. É doloroso, assustador pensar que nada mudou realmente. Aquele frase diz tudo sem dizer nada. É um homem parado no frio da natureza, sozinho, desafiante, esperançoso mas sem esperar nada. Nem sei para que continuei a escrever depois de pensar nela.
Mas hoje. Hoje onde está a minha praia de seixos negros?
Construiram um grande quebra mar sobre ela. Toneladas e toneladas de grandes pedras esculpidas à egipcia, sem arte, com a utilidade macabra de engenheiros. E eu vi. Vi o processo. Nos dias que passava de comboio e via eles a colocarem-nas e a praia, a praia de seixos negros a desaparecer lentamente... E um dia, ela já não se via. Tinha sido dominada, tinha desaparecido debaixo da rocha. A linha do comboio estava finalmente salva do rio, mas a praia tinha sido sacrificada brutalmente, sem piedade.
Não se vê a praia de seixos negros. Mas eu vejo-a quando digo a minha frase mágica, o meu encantamento eterno. Ruge um grande frio cortante! Ruge um grande frio cortante! E de imediato eu estou à janela do comboio, com um sorriso de deslumbramento a olhar para ela, nos poucos segundos que a velocidade permite. A olhar sem fechar os olhos, até que eles doam. Até ao dia seguinte. Até à manhã seguinte, ou no regresso a casa, pela penumbra. A minha praia de seixos negros, que foi levada pela crueldade dos homens, pela violência do quebra mar.
A praia vive na minha memória, como poucas coisas vivem na minha memória.
De tão vivida, é um altar de carne, com um pulsar humano, como o do meu coração.
Morta para todos, mas viva, sobrevivendo enquanto houver memória da magia que a invoca.
Como costumo ir de cabeça no ar, não raras vezes olhava, sobretudo no inverno, para a pequena praia e imaginava alguém lá, em pé, a olhar para o horizonte, num dia mais frio, num dia de nevoeiro e frio intenso. Imaginava e... apareceu-me uma frase que me dá arrepios quando a repito, uma daquelas frases que significa tudo para mim e nada para todos os outros. A frase da praia de seixos pretos.
"Ruge um grande frio cortante"
Isto resume tão bem tantas coisas. É um livro sobre a minha alma, sem estar escrito e sem a necessidade, o trabalho e a vulgaridade de o escrever. A frase chega para tudo isso e muito mais, por ser menor, por ser maior em precisão e sinceridade.
Quando a digo regrido. Volto áquele comboio, há 10 anos atrás, que sai do túnel e faz a curva ao pé do rio, mesmo ao pé do rio, num dia em que chove e está muito frio lá fora. É doloroso, assustador pensar que nada mudou realmente. Aquele frase diz tudo sem dizer nada. É um homem parado no frio da natureza, sozinho, desafiante, esperançoso mas sem esperar nada. Nem sei para que continuei a escrever depois de pensar nela.
Mas hoje. Hoje onde está a minha praia de seixos negros?
Construiram um grande quebra mar sobre ela. Toneladas e toneladas de grandes pedras esculpidas à egipcia, sem arte, com a utilidade macabra de engenheiros. E eu vi. Vi o processo. Nos dias que passava de comboio e via eles a colocarem-nas e a praia, a praia de seixos negros a desaparecer lentamente... E um dia, ela já não se via. Tinha sido dominada, tinha desaparecido debaixo da rocha. A linha do comboio estava finalmente salva do rio, mas a praia tinha sido sacrificada brutalmente, sem piedade.
Não se vê a praia de seixos negros. Mas eu vejo-a quando digo a minha frase mágica, o meu encantamento eterno. Ruge um grande frio cortante! Ruge um grande frio cortante! E de imediato eu estou à janela do comboio, com um sorriso de deslumbramento a olhar para ela, nos poucos segundos que a velocidade permite. A olhar sem fechar os olhos, até que eles doam. Até ao dia seguinte. Até à manhã seguinte, ou no regresso a casa, pela penumbra. A minha praia de seixos negros, que foi levada pela crueldade dos homens, pela violência do quebra mar.
A praia vive na minha memória, como poucas coisas vivem na minha memória.
De tão vivida, é um altar de carne, com um pulsar humano, como o do meu coração.
Morta para todos, mas viva, sobrevivendo enquanto houver memória da magia que a invoca.
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