domingo, fevereiro 01, 2004

Aquele que andou pelo rio com as suas perguntas

Aquele que andou pelo rio com as suas perguntas. Aquele que procurava e que andava pelo rio em busca de respostas. Não há respostas senão nos rios, afirmações cristalinas senão entre as margens de uma vida que nunca permanece igual, nas eternas mutações da natureza. Ele que procurou e que nunca desistiu de procurar. Ele que lavou a alma suja nas águas limpidas daquele ribeiro selvagem que nasce de gotas numa montanha inacessivel. A corrente levou-lhe as dúvidas e a vida passada de desconhecimento. A cada mergulho, a cabeça afundada perto das rochas polidas, a falta do mundo no momento da respiração sustida, via-se claramente o futuro. Em segundos de hesitação, vê-se claramente o futuro. No interstício do tempo, entre os movimentos perpétuos do destino, vê-se claramente o destino

Brahmans, pessoas indistintas que se despem para o ritual milenário. Corpos escuros que descem as roupas laranjas nas águas do mesmo ribeiro distante, apanhando o resto da alma daquele que se banhou no ribeiro ignoto. Um mar de gente sem nome, turba organizada na sua desorganização fervorosa, que explode numa multidão de sinais coordenados e contraditórios. Chamas e cinzas num terreiro e flores em rama lançadas a uma estátua de cobre que passa carregada por ombros vermelhos. (Onde estão todos? E porque não estou eu ali agora?). Perto da ponte soturna, crianças de cabelo rapado que olham com desconfiança o resto da viagem. Silêncios ruidosos na explosão de cores mortas. Estações e processos. Velhos amigos de peregrinação. Viajar e resignar-se. Dar a dor como presente a uns olhos cansados de uma velha vinda de uma aldeia distante, do interior perdido, quase outro continente de tão longinquo.

A criança olha ao longe, desde a sua casa pobre. Fogo-fátuo na emoção contida de um sorriso. A criança puxando o braço da mãe ocupada com o fogo chama a atenção para o vulto distante, mas é ignorada pela roda impiedosa da vida tortuosa. Perto do rio, o Sadu sai e sente os olhos que o perseguem e sobe pela encosta ferida pelo pés da multidão desaparecida. A criança vê-o e depois olha o rio triste, resto de almas perdidas, pó de almas lavadas, na escuridão aparente de tochas ocasionais. Cai na cama pobre e sabe agora o que quer ser no futuro.
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