quinta-feira, janeiro 29, 2004

Che Guevara parou à beira do rio e chorou

Os grandes revolucionários têm sempre imagem de duros.
O que vou relatar de seguida passou-se comigo em 1963, ia eu com Che Guevara na Sierra Bonita, Bolivia. Quando chegámos a uma parte da floresta, foi preciso seguirmos muito quietos, porque havia rumores de haver um campo militar por perto. O Che, no seu jeito peculiar, deu um caldo ao batedor e isso era o sinal para todos mantermos silêncio rádio. Depois deu dois caldos, o que queria dizer que tinhamos de andar em fila indiana. Cerca de meia hora mais tarde, estavamos todos dentro da floresta virgem, o batedor levou dois caldos, e eu cheguei-me mais ao Che. Por esta altura, o Che gostava de me contar histórias e eu ia escrevendo, na perspectiva de fazer um romance e encher-me de dinheiro. Claro que eu não dizia isso ao Che, porque ele não apreciava os romances, "sou mais revistas do Donald" dizia ele no seu jeito particular, enquanto me dava um caldo. Não é preciso dizer que todo o nosso grupo tinha o pescoços todos vermelhos dos caldos. Os mais vermelhos exibiam os pescoços com vaidade assim que chegávamos a uma aldeia. Seja como for, a determinada altura, entrámos numa zona aberta e aquilo era mesmo lindo. O Che pára. Depois começa a correr e entrou tudo em pânico, tinhamos sido encurralados? Como não se podia dizer nada, começou tudo a correr atrás dele. Até que ele pára à beira do rio, ajoelha-se e arranca uma flor. O que ele gritou nunca mais esquecerei por muitos anos que viva: "É TÃO LINDA ESTA FLOR PARECE UMA CARA!". Ficou tudo a olhar para ele. Eu cheguei-me ao pé dele e dei-lhe um caldo e começamos todos a comentar, realmente a flor parecia-se com uma cara. E foi este o meu episódio com o Che Guevara.


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