segunda-feira, outubro 11, 2010
...
zaguezagueando
há talvez uma razão para tudo
o que me acontece talvez
uma razão para ser humilhado
uma razão para tudo
o que me acontece
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um alto muro separa as minhas
mãos que o percorrem ao andar
e são só elas que sonham com
o que está do outro lado, com um
medo infantil de espreitar por cima
um alto muro que percorro com
as minhas mãos feridas a correr
e a chorar, sem medo pelo menos
de que ele um dia acabe
porque pelo meio do caminho
eu caio ao chão e todo o universo
cai ao chão ao pé de mim e esfola-se
nos joelhos, começa a chorar
um alto muro fica ali parado
ainda mais alto comigo no chão
de olhos vermelhos e sangue vertido
tudo perdido, tudo,
talvez seja assim todos os dias
repetidos num nevoeiro qualquer
repetidos num sonho-pesadelo onde
eu vivo acordado enquanto menino
um alto muro, não sei
quem o derrube, quem o trepe
por uma árvore encostada
que nasceu só para aquela função
o meu pior inimigo a fazer troça
lá do alto
«maricas, cobarde!»
e eu só consigo agarrar o joelho que arde
e eu só sinto uma grande dor de cabeça
como se tudo fosse acabar de repente
mas nada acaba de repente
toda a dor é prolongada
como o muro que se estende pela escarpa
que desce mesmo para debaixo do mar
que insiste em ser assim, sem me deixar passar
sem que nada deixe de insistir
em não me deixar passar.
ah, fracassei. falhei magnificamente.
e não tenho senão pena de ser ridículo
estima por quem não é o que eu sou agora.
não queria ser como eles
porque não lhes quero o mal de serem como eu.
e nisto se resume
a maneira ignóbil de eu ser
ainda mais ridículo
ainda mais anormal.